O “não” antes do “sim”: o atleta e o deslumbramento na carreira – Por Sávio Bortolini

Sávio fala sobre os cuidados que os atletas devem ter no decorrer da carreira (Foto: Divulgação)
Sávio fala sobre os cuidados que os atletas devem ter no decorrer da carreira (Foto: Divulgação)

Começo o texto trazendo algumas palavras daquele que é um dos meus ídolos, e que tem vasta experiência e sabedoria sobre o mundo do futebol. Em meu livro – Savio, dribles certeiros de uma carreira de sucesso -, logo na introdução, Júnior, o Maestro, que defendeu a seleção brasileira e também o Flamengo, abordou sobre os cuidados que um jogador deve ter nos mais diferentes aspectos para não perder o rumo.

Para quem não sabe, Júnior foi o responsável pela minha estreia como titular no profissional do Flamengo, em 1994, diante do Botafogo. Talvez eu não pudesse ter tido um melhor treinador para aquele momento da minha carreira. Afinal, o “Capacete”, havia atuado profissionalmente até o ano anterior e conhecia muito o que significava atuar pelo Rubro-Negro e também as consequências para a vida de um jovem, seja dentro ou fora de campo.

“No futebol conhecemos milhares – digo milhares mesmo – de histórias de jovens que se perderam pelo caminho por falta de orientação e deslumbramento com o que a carreira oferece. As portas se abrem desde o mirim, logo no começo, quando você começa a se destacar. É a carona do pai do amigo que tem um carro, depois, mais tarde, vem o convite para as melhores festinhas, sempre repletas de “Marias chuteiras” por todo lado. E sem contar os empresários que querem administrar a sua carreira, além dos vendedores de todo tipo – desde casas, apartamentos e até moças de “ótima aparência” querendo lhe dar um golpe. O deslumbramento pelo sucesso, de certa forma, é normal, mas precisa ser combatido o mais rápido possível por aqueles que cercam o jogador. Claro que é complicado para um jovem, que teve uma infância humilde e uma família ausente, no momento em que se vê repleto de possibilidades dizer “não”, certo? Errado! É neste tipo de pensamento que mora o perigo. Todas estas situações de deslumbramento que tiram o foco da profissão, certamente irão acontecer com qualquer garoto de 19 ou 20 anos que faça sucesso em um time principal, seja ele qual for”, diz Júnior, em trecho do livro.

Hoje comentarista da TV Globo, Júnior foi o primeiro técnico de Sávio (Foto: Divulgação)
Hoje comentarista da TV Globo, Júnior teve papel fundamental na carreira de Sávio (Foto: Divulgação)

Toco neste assunto, pois entendo ser um assunto muito sério e que às vezes passa desapercebido no embalo da rotina, ante os acontecimentos na vida de um jovem jogador. E, de fato, é tudo muito rápido. Em uma semana o treinamento é feito com os companheiros das categorias de base, à distância do time profissional. Porém, alguns jogos depois, a promoção para a equipe principal e, diante dos olhos, os seus ídolos ou referências estão em seu dia a dia, bem pertinho. Vem a primeira partida e, em seguida, alguns minutos para atuar diante da torcida. E pronto: a sua vida muda. Tudo acontece em um piscar de olhos, que você, às vezes, não se dá conta.

Tudo passa a ser novidade, é um verdadeiro turbilhão de acontecimentos. A relação com os torcedores, os autógrafos, as entrevistas e, de repente, um simples deslize pode colocar tudo isso por água abaixo. E quando Júnior fala de “milhares de histórias de jovens que se perderam pelo caminho” ele é certeiro. Quantos companheiros eu vi, com enorme talento, desperdiçarem uma carreira por conta de erros cometidos, principalmente fora de campo.

Lidar com as expectativas no mundo da bola não é nada fácil. Quando você está nas capas dos jornais, nas principais manchetes e nas graças da torcida, todos passam a ser amigos. E nesses momentos é preciso saber dizer muito mais o “não” do que o “sim”. Ter personalidade para negar um convite para uma festa ou um evento, saber dosar a sua agenda com os patrocinadores e, principalmente, cuidar do seu corpo. No meu período de atleta, sempre procurei ter atenção na minha alimentação e, sobretudo, cuidar com o álcool. Claro que é permitido beber cerveja nos períodos de folga. Entretanto, é preciso moderação. Já escrevi isso em outros textos, mas repetirei sempre que necessário: a carreira de jogador de futebol é muito curta.

Por isso, em meio ao turbilhão de sensações e expectativas da vida nova que surge, é preciso ter pessoas importantes ao seu lado, com experiências para a melhor orientação. E isso eu tive com Júnior, por isso o citei no início desse texto.

Em uma das poucas vezes em sua carreira no Flamengo, ele foi vaiado pela torcida rubro-negra por minha causa. E, tudo isso, por mim. Em 1994, antes do jogo contra o Botafogo, eu fiz algumas boas partidas, sempre entrando no segundo tempo. Porém, teve em um Fla-Flu, em que perdíamos por 3 a 1 e só entrei na reta final da partida. Lembro que mudei o jogo, dei uma assistência para gol, mas acabamos derrotados por 3 a 2. Ao término, vaias e os xingamentos ao Júnior, pois a torcida pedia a minha entrada ainda no primeiro tempo.

Sávio brilhou pelo Flamengo (Foto: Divulgação)
Sávio brilhou pelo Flamengo (Foto: Divulgação)

Júnior, naquele período, soube muito bem blindar tudo o que acontecia ao meu redor. Desde a pressão das arquibancadas à pressão da diretoria, que desejava encontrar uma nova esperança para a equipe, que sofria, desde o título de 1992, com a carência de ídolos.

É duro ter de abdicar das coisas que nos dá prazer, não é fácil. É preciso manter o foco e buscar as melhores decisões para não ter arrependimentos ou colocar um ponto final muito antes do esperado. Como Júnior diz:

“Se os sacrifícios vierem, tenham certeza de que não há satisfação maior do que vestir a camisa do teu clube, com o estádio lotado em uma vitória ou em um título de Campeonato. Não há sabor melhor! E só quem viveu isso é que pode saber como foi”.

Sávio Bortolini é ex-jogador de futebol. Atuou em times como Flamengo, Real Madri-ESP e Zaragoza-ESP. Atualmente, é empresário de atletas.

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