Iniciou a carreira de técnico aos 15 anos e hoje acumula títulos pela base do Bahia: conheça Edson Fabiano

Aos 14 anos, ele era só um garoto, dentre milhares, querendo se tornar um jogador de futebol. No entanto, não era apenas mais um. Era alguém especial, alguém que sabia reconhecer a dificuldade de vingar no ramo e foi inteligente o suficiente para dar um rumo à sua vida ainda adolescente. Sem esperar pelas incertezas que o esporte mais amado do país dá todos os dias, Edson Fabiano viu que tinha uma leitura diferente dos demais garotos da sua idade para o futebol e que era suficientemente bom não só para ser atleta, mas também para ser técnico.

(Foto: arquivo pessoal)
(Foto: arquivo pessoal)

Hoje, com 37 anos, o treinador do time Sub-17 do Bahia contou, em entrevista exclusiva ao Portal DaBase, como chegou à profissão e relatou histórias vividas nas passagens por Bahia e Vitória. Além disso, Fabiano falou sobre assuntos pertinentes ao futebol de base do país, se mostrando contra a necessidade de ganhar títulos nas divisões de base (apesar de já ter conquistado vários nos últimos anos) e revelou que teve grande parcela de contribuição para que alguns bons nomes do futebol brasileiro vingassem, principalmente um famoso atacante que atua na China atualmente; conheça a história e as peripécias do treinador.

DaBase: Dá para fazer um breve resumo sobre a sua carreira?

Edson Fabiano: Eu fui atleta de base do Vitória aos 14 anos, mas acabou não dando certo e fui dispensado. Decidi fundar, aos 15 anos, um time no meu bairro, onde eu jogava e era técnico ao mesmo tempo. Aos 20, fui convidado por Newton Motta, na época diretor da base do Vitória, para ser técnico do Sub-10. Trabalhei por lá durante sete anos e fui técnico do Sub-11, 12, 13 e Sub-14 neste período, de 1999 a 2005. Assim que saí do Vitória, em 2006, trabalhei um ano no Bahia como treinador do Sub-14, também a convite de Newton Motta.

No fim do ano, com o Bahia na Série C, houve mudanças e eu acabei saindo. Em 2007 e 2008, fui técnico do juvenil da ABB, de um grande dirigente e um dos mais corretos que já trabalhei: Carlito. Conseguimos nos destacar nestes dois anos, levando a ABB a ser terceiro lugar do estadual. Em 2009, mais uma vez, Newton Motta me convidou para ser técnico do Sub-15 do Bahia, onde estou até hoje e muito feliz.

DaBase: Quantos anos você tem?

Edson Fabiano: Tenho 37 anos. E estou há 17 anos trabalhando como técnico de futebol de base.

(Foto: arquivo pessoal)
(Foto: arquivo pessoal)

DB: Você não vingou como atleta, mas está tendo sucesso como treinador. O que acha que faltou quando tentou jogar e agora tem enquanto técnico?

EF: Olha, talento eu tinha para jogar, mas eu tinha problemas físicos: cansava rápido e aquilo me chateava um pouco. Acredito que foi mais determinação e coragem em tentar superar o problemas físicos, mas como disse anteriormente, decidi muito cedo ser técnico, sempre fui líder em campo. Então, como técnico não me falta esta determinação e coragem de superar meus desafios.

DB: Quem é o seu ídolo?

EF: Nunca idolatrei alguém, mas vejo em Zico uma referência bacana de pessoa e profissional do futebol. É um cara sério, íntegro, honesto nas suas atitudes e nas suas falas. Espero que seja o futuro presidente da FIFA.

DB: Você trabalhou nos rivais Vitória e Bahia. Um técnico de futebol pode torcer para algum time? Se sim, qual o seu time?

EF: Eu sempre fui torcedor do Bahia, do São paulo e do Flamengo desde pequeno (risos), mas trabalhei no Vitória e claro, torcia para o Vitória. Todo técnico pode, e com certeza torce, para vários times que foram referências para ele na sua infância.

DB: Como você pode definir seu estilo/filosofia de trabalho?

EF: Eu sou muito honesto, coerente, transparente e justo com meus atletas. Busco sugar o máximo deles nos treinamentos. Sou muito exigente e detalhista. Sempre falo para eles: “vocês têm que buscar a excelência sempre”. Busco conversar bastante, orientando não só questões de campo, como situações extra campo. Na base, somos educadores/formadores e é uma responsabilidade grande, já que os garotos te vêem como uma referência.

(Foto: arquivo pessoal)
(Foto: arquivo pessoal)

DB: Assim como atletas, o treinador de base tende a seguir uma trajetória de evolução entre as categorias. Você é um exemplo disso. Onde quer chegar como treinador? O futebol profissional é um sonho ou pretende seguir como treinador de base?

EF: Olha, o profissional com certeza é um sonho. Quando você se propõe e se dedica em uma profissão, você quer chegar no auge, no topo. Hoje, estou feliz aonde eu estou, gosto muito deste trabalho de formação de atletas, estou estudando muito ainda e me preparando, principalmente psicologicamente, para um dia, se surgir a oportunidade, chegar ao profissional.

DB: Qual o principal desafio de um formador de talentos?

EF: Sem dúvida, é não ter medo da pressão pelos resultados que o futebol impõe (dirigentes, imprensa, torcida). Eu sei do meu papel como formador e detector de talentos. Não é fácil. Às vezes, acertamos, às vezes, erramos. Vamos ganhar títulos e vamos perder também. A pressão é grande, mas um técnico de base tem que ter a convicção do seu papel ali. Se trabalhar pensando em resultados para segurar o emprego, ele, com certeza, não estará sendo um formador de talentos, e com certeza vai dispensar garotos talentosos.

DB: Você é um dos técnicos que mais ganhou títulos na base atualmente. Você acha que os títulos são importantes para apontar se o trabalho está sendo bem feito?

(Foto: arquivo pessoal)
(Foto: arquivo pessoal)

EF: Com certeza, não. Na base, estamos buscando, primeiro: detectar o talento; segundo: lapidar este talento para tornar o atleta um profissional de bom nível. Os títulos estão em terceiro plano. É algo gostoso, recompensa todo um trabalho. Não vou ser hipócrita em dizer que não gosto de vencer, mas se eu perder e as pessoas do futebol me falarem que na minha equipe tem de quatro a seis atletas de muito bom nível, isto sim me deixará orgulhoso e vou saber que o meu trabalho está correto. Hoje, estou em um clube com dirigentes que pensam exatamente assim.

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(Foto: arquivo pessoal)

DB: Nesses anos de experiência, você já deve ter vividos muitas histórias. Relate três exemplos que você jamais vai esquecer com os seguintes temas: superação, drama e comédia.

EF: Superação: Em 2002, no comando do Sub-14 do Vitória, numa competição em Itaporanga-SP, estávamos na semifinal contra um time de Marabá, equipe essa que jogava Elkeson. Com dez minutos de jogo, já estava 3 a 0 para eles. Conseguimos empatar ainda no primeiro tempo. No início do segundo tempo, eles fizeram 4 a 3 e nós conseguimos virar novamente para 6 a 4. Por fim, o jogo terminou 6 a 5 e meus jogadores não tiveram nem forças para comemorar. O esforço foi muito grande para ganhar esta partida. Detalhe: o jogo era 25/25 (minutos) cada tempo.

Drama: Sem dúvidas o episódio de Paulo Henrique, nosso atleta que infelizmente nos deixou precocemente. Ver um garoto talentoso e que eu acompanhei sempre trocando mensagens com o pai dele, foi muito forte para mim, que fui técnico dele e convivi com ele. Era um menino alegre, de sorriso fácil. Até hoje não acredito que isto aconteceu realmente. (Nota: Vítima de leucemia, Paulo Henrique morreu no último mês de setembro.)

Comédia: Numa viagem, também com o Vitória, para uma competição em Alegrete-RS, dois adolescentes invadiram o alojamento e roubaram algumas camisas do clube que estavam na varanda do quarto do roupeiro, conhecido como Caverna (trabalha lá até hoje). Quando ele viu, saiu correndo atrás dos moleques em um matagal atrás do alojamento. Então, ele começou a gritar: “Parado! Vou atirar, viu!?”, e, simplesmente, ele começou a atirar, mas com a boca (muitos risos), fazendo sons de tiros na direção dos moleques. Para a nossa surpresa, eles começaram a se jogar no chão, achando que eram tiros mesmo (mais risos).

DB: Dos atletas que você trabalhou e hoje estão famosos, quem você pode dizer que teve maior influência e por que?

EF: Olha, nenhum técnico tem influência ou ajuda a formar um atleta sozinho. Sempre terão várias pessoas dentro deste contexto. Mas o Alan Santos, volante que joga hoje no Coritiba; Gustavo Henrique, zagueiro que joga no Santos e Sebá, atacante do Olympiakos, da Grécia, eu vi, detectei e aprovei os mesmos com nove anos de idade. Sabia que ali se travavam de jogadores diferentes.

Victor Ramos, zagueiro que hoje joga no Palmeiras, foi meu atleta no Vitória, mas quando chegou no Sub-15 foi praticamente dispensado de lá. O técnico, na época, não acreditava no potencial dele. Levei ele para jogar na ABB, onde ele se destacou e quando voltou ao Vitória de novo virou titular no juvenil e vingou. Acredito que o fato de eu acreditar muito no futebol dele e não ter desistido do atleta fez com que ele, claro, com o esforço próprio também, voltasse a ter oportunidade no clube.

E, por fim, o Elkeson, que joga na China. Era “gato” de dois anos. A mãe me ligou na época, confessando. Tivemos uma reunião e o superintendente da Base na época, Sinval Vieira, me perguntou se valeria a pena ficar com ele, já que ele teria que sair do Sub-13 para o Sub-15 e não tinha biotipo para aquela categoria. Eu disse: “ele tem o mais importante: o talento, a qualidade”. Assim, ele continuou no Vitória e, com seu méritos também, acabou vigando.

DB: Quem pode vir por aí no Bahia que você destaca como promessa?

EF: O trabalho de Base no Bahia, sem dúvida, é um dos melhores do país. Temos muitos bons atletas aqui. É difícil para mim citar alguém. Acredito em vários. Fui treinador do Gabriel Ramos (meia), Wesley Castro (volante) e Hugo Freitas (atacante), que hoje estão no Sub-20. São atletas de muito potencial. No Sub-17 e no Sub-15, temos um grupo muito qualificado, mas, para mim, ainda é muito precoce apontar nomes.

(Foto: arquivo pessoal)
Dante, do Wolfsburg, da Alemanha, e Edson Fabiano (Foto: arquivo pessoal)

DB: A nova gestão do Bahia diz que algumas coisas mudaram nas categorias de base. Quais foram essas coisas? O que você acha que precisa melhorar?

EF: A mudança no clube foi geral. O Bahia paga seus salários rigorosamente em dia, algo que não era rotineiro. Hoje, temos plano de saúde. A hotelaria da base está com uma estrutura muito melhor, situação que dá um conforto melhor aos atletas. A valorização e o respeito hoje com o trabalho feito na divisão de base é diário. Tudo que a gente precisa, que é solicitado, é atendido.

O presidente e o Alexandre Farias, diretor de futebol do profissional, sempre que possível, estão em contato com a gente. O Éder Ferrari, gerente de futebol, nos dá todo o suporte e o tratamento é algo de se destacar. São muito profissionais, éticos e, acima de tudo, confiam no nosso trabalho. Posso citar um exemplo de mudança: os jogos do Campeonato Baiano infantil e juvenil no nosso CT estão sendo realizados no campo do profissional. Utilizamos vestiários e auditório para palestra também. Isso é algo inédito no clube e difícil de se ver também em outros clubes. Isso distancia muito a base do profissional e o hoje, aqui no Bahia, não tem diferenças.

Sempre tem algo para melhorar no futebol e eles estão antenados. Sempre nos passam qual a ideia deles para melhorar ainda mais o nosso trabalho.

DB: Você é um treinador que gosta de estudar. O clube te ajuda nesse quesito?

EF: Este quesito é importante e, com certeza, é algo que está na pauta desta diretoria. Sinto total interesse neles em ajudar na nossa qualificação. Assim que for solicitado, não tenho dúvidas que eles vão ajudar.

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(Foto: arquivo pessoal)

DB: Por que o técnico moderno precisa aliar o campo ao mundo acadêmico?

EF: Vou descrever uma citação que diz assim: “quem só teoriza, não sabe. Quem só pratica, repete. O saber nasce da conjugação da teoria e da prática”. O mundo acadêmico abre a mente de qualquer profissional. Estudar é sempre bom, importante e imprescindível, ainda mais para um técnico de divisão de base, que vai lidar com crianças e adolescentes. Mas, só no empirismo não dá.

DB: Como técnico da categoria juvenil, o que achou da convocação do Brasil para o Mundial da categoria? O que acha que vai ser da nossa seleção na competição?

EF: O Carlos Amadeu e o scout técnico da CBF são muito competentes. Acredito que dentro das avaliações deles, buscaram ser o mais justos possíveis. Participei da Taça BH e eles estavam presentes em todos os jogos do Bahia, e em todas as cidades que sediaram a competição deveria ter um observador da CBF. No Bahia, temos jogadores qualificados para estar na seleção, mas a nossa equipe não viveu um bom primeiro semestre. Muitas lesões atrapalharam nossos principais jogadores, que já foram convocados outras vezes, como o Cristiano, Geovane Itinga e Júnior Ramos.

Espero e torço muito para que o Brasil tenha sucesso no Mundial, ainda mais que no comando técnico está um profissional que admiro muito.

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